Modo Belém, artigo do padre Charles Borg

Gente há que não suporta o clima do Natal! Considera tudo uma embromação, insuportável faz de conta. Desgastada encenação! É como passar glacé em bolo insosso para torna-lo mais palatável. É fazer de contar estar feliz em meio a tanta solidão! É fazer de conta estar em paz em meio a recorrente intolerância e em harmonia quando são tantas as formas de trapaça. É fingir celebrar o nascimento do Filho de Deus, justamente a quem, polidamente, insiste-se em ignorar.
A celebração supostamente religiosa serve como oportuno pretexto para fartas comilanças e liberdades etílicas. Mesmo em meio a ruídos há muito coração solitário! O descompasso entre o sagrado e o profano é tão explícito e tão cínico que resvala, naturalmente, para a dimensão religiosa. A celebração do nascimento do Menino Deus, quando lembrado, detém-se mais no aspecto sentimental, passageiro por natureza, passando ao largo do lado teológico, profundamente humano, e que, curiosamente, justifica o clima jubiloso e o ambiente descontraído. Jesus nasceu, de fato, para encontrar-se com o ser humano, e, como natural consequência, motivar as pessoas a se aproximarem uma das outras. O Natal do Senhor Jesus é, na realidade, a grande festa do humano congraçamento.
Encontros se dão somente entre partes que se intencionam realmente aproximar-se. A Encarnação do Senhor Jesus revela a seriedade do propósito de Deus de se aproximar da humanidade. Tanto assim é que a iniciativa nasce no próprio Pai Eterno. Ele ama primeiro porque sabe da urgente necessidade que dele tem o ser humano! Ama e faz acontecer. Não basta, todavia, tomar iniciativa, é preciso encontrar a linguagem adequada para coroar a aproximação. Muitos são os encontros frustrados por falta de apropriada logística. Ao encarnar-se, o Filho Eterno desapega-se de suas prerrogativas divinas e assim assume a totalidade da condição humana. Rebaixa-se, nivela-se e assim estabelece propícias condições para fecundos diálogos. Nenhum encontro se torna possível sem prévias concessões e sábios despojamentos. Nenhuma aproximação acontece sem conscientes renúncias por parte dos envolvidos. Presunções e pretensões minam promissoras aproximações! Emerge a fundamental logística para a efetivação de salutares encontros: coragem para tomar iniciativa e humildade para despojar-se de vaidades e convencimentos.
Salta espontâneo o motivo porque o atual convívio está ficando cada vez mais monótono, apesar de tanto entretimento: faltam encontros verdadeiros. As pessoas estão juntas, sem estarem próximas. Há aglomerações de indivíduos solitários. Receia-se tomar iniciativas de aproximação! Medos e desconfianças reprimem. Ignora-se a básica necessidade de trabalhar gradativamente a arte de encurtar distâncias. Afinidades e confidências se constroem paulatinamente, passo a passo, alimentados e disciplinados por uma humilde caridade, capaz de convencer o interlocutor do genuíno interesse que inspira a aproximação. Emerge a necessidade de sábia paciência, permitindo ao interlocutor tempo de avaliação e liberdade de escolha. Gente humilde sabe ser paciente. Afetos não se impõem. Acontecem e amadurecem gradativamente.
Vive-se atualmente, apesar da ruidosa agitação, em compasso de crescente isolamento. Entre as tantas aglomerações é fácil detectar o progressivo tédio e a aflitiva monotonia. Urge encontrar-se! Imperioso é aproximar-se! A contemplação do mistério da Encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo inspira promover esses encontros a “modo Belém”, sem medo de tomar a iniciativa, e também sem presunções, sem imposições. O Natal de Cristo promove relacionamentos. Purifica encontros. Afinal, só é possível construir a duradoura paz a partir de transparentes relacionamentos

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