O dedo de Deus, artigo do padre Charles Borg

“Crê somente”! Esta foi a principal recomendação que o Senhor Jesus dirigiu a Jairo, chefe de uma sinagoga, ao lhe chegar o aviso que sua filha havia falecido. O episódio está registrado nos três evangelhos sinóticos, indicativo que integrava a primitiva catequese das comunidades cristãs. O Mestre Jesus pedia a Jairo um voto de confiança, insinuando que nem tudo está acabado apesar do quadro desolador. De fato, Jesus devolveu viva a filha a Jairo! Esta atitude de absoluta confiança solicitada por Jesus a Jairo representa o pilar constitutivo de toda experiência cristã. E, por extensão, de todo real êxito da condição humana. O Livro Sagrado apresenta uma sequência longa de situações em que aparentes fracassos terminam em auspiciosas vitórias.

A Bíblia é a crônica da vitória dos vulneráveis. A ressurreição da filha de Jairo é uma ilustração a mais da predileção de Deus por pessoas em situações de desespero, com o objetivo de convencer a todos que Ele, de fato, encaminha tudo para o bem de todos! Não é que Deus deixa acontecer o mal para fazer o bem. Tal cinismo é incompatível com a eterna bondade divina. Em sua configuração contingente, é inevitável que o ser humano passe por apertos de variadas naturezas. O segredo em direção à superação reside em reconhecer a própria vulnerabilidade. O processo curativo anda a partir da admissão da enfermidade.

O Todo-poderoso não se omite. Basta cultivar a devida paciência e confiar que ele aja no tempo dele.
Recentemente, tive a oportunidade de assistir a uma entrevista com o craque Ronaldo, qualificado como “fenômeno” pela imprensa esportiva mundial, por sua arte futebolística. O jogador Ronaldo não se apresenta como uma pessoa religiosa, pelo menos na concepção convencional do termo. Os aficionados do futebol se lembram que o jogador sofreu uma grave lesão no joelho que, de acordo com alguns médicos, o privaria não somente de jogar futebol, mas até da possibilidade de andar com desenvoltura. Após quatro anos de cuidados intensivos, o jogador recuperou sua habilidade atlética, a ponto de tornar-se o goleador da copa do mundo que deu ao Brasil seu quinto título no ano 2002.

O mais significativo neste processo de reabilitação, segundo o próprio jogador, não foi tanto a tão desejada recuperação atlética, mas a transformação que ele admite ter acontecido no interior de sua personalidade. A dor, o retiro e o penoso tratamento me induziram – confessa – a refletir sobre o sentido da vida e fizeram com que saísse daquela tragédia mais gente, mais humano, mais amadurecido como pessoa! O dedo de Deus escreve, mesmo que a situação seja de total desolação!

Assim como a do Ronaldo, outras crônicas de vulneráveis atestam a conversão para uma novo jeito de enxergar e perceber a vida a partir da experiência da dor. Nada é, afinal, como parece! São vitórias que se consegue não sobre adversários ou inimigos externos, mas, principalmente, sobre a própria vulnerabilidade. Infundem na consciência humana novo entendimento de poder, poder sobre a terrível apreensão da vulnerabilidade. São, por isso, vitórias de alcance universal, de inspiração coletiva, e não apenas de abrangência individual. Cultivar a confiança em Deus – crê somente – impede a dor impor resignação e revolta. Alimentar a confiança em Deus inspira avançar tenaz e resolutamente.

Cumprir o dever. Fazer o que se tem a fazer, sem se importar com resultados e aprovações. Caminhar, enfim, ciente e consciente das mexidas salutares do dedo de Deus! Crer é avançar sempre, na certeza que a esperança não decepciona! Faz bem lembrar sempre que a hora mais escura é aquela que antecede a aurora!

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